Tinha tido uma discussão e precisava de esfriar a cabeça.
Meti-me pela João XXI acima, em direcção ao Areeiro, levei apenas as chaves de casa.
Caminhava de mãos nos bolsos, cara fechada, quando fui abordada pela D. Ermelinda
(“Se não se lembrar do nome, depois pode pedir para falar com a jardineira”),
que trazia na mão um enorme cesto de palhinha cheio até cima de figos.
“Quer comprar? São muito bons…”
Mostro-lhe as mãos vazias:
“Gostava muito, mas não trouxe dinheiro.”
“Ah, mas pode provar um, se quiser.”
Depois de um breve instante de indecisão,
(afinal, não os ia comprar)
decido aceitar. Eram realmente deliciosos, uns figos doces de mel.
“Quanto custa?”
“Um euro e meio, a dúzia.”
“Costuma andar por aqui? Pode ser que a encontre num dia em que traga a carteira…”
“Então porque é que não leva? Depois paga.”
“Como é que pago? Eu não tenho a certeza que a volto a encontrar.”
“Não faz mal, vai ali à igreja de S. João de Deus, vai à sala 16 ou ao bar, e diz que é para deixar o dinheiro à Ermelinda, ou à jardineira, se não se lembrar do nome. Também pode dizer que é para a mulher dos figos.”
Estive vai-não-vai para aceitar, mas não me apeteceu que a senhora duvidasse da minha honestidade por um segundo que fosse.
(Será que ela alguma vez duvidaria?)
Por isso, ocorreu-me uma ideia melhor:
“Onde é que vai estar daqui a um quarto de hora?”
“Vou estar lá, em frente à igreja, a vender os figos.”
É óbvio que, um quarto de hora depois, também eu estava em frente à igreja, na Praça de Londres, com a carteira na mão, com um euro e meio para a D. Ermelinda, a jardineira, a mulher dos figos.
Lisboa, 24 de Agosto de 2003. Ainda encontramos pessoas assim nesta cidade.
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