FALAR DE TUDO, PARA NAO FALAR DE NADA...



Fim de semana, enfim fim-de-semana

0 comments

Ainda faltam vinte minutos para as nove da noite. Chego à estação de Braço de Prata e não vejo uma única pessoa. Vazia. A noite está fresca, num prenúncio de frio de Inverno. Ouço os grilos a refilarem contra a escuridão.
Distraio-me com a luz branca dos candeeiros. Os paineis electrónicos com as informações dos combois que hão-de vir.
Espero.
Chega um comboio. Há barulho. O comboio parte.
Silêncio de novo. Apenas um carro ao longe.
Espero.
Aconchego o casaco.
Espero.
E agora o anúncio da chegada do meu comboio, uma voz feminina pseudosensual.

Atenção, senhores passageiros. O comboio suburbano procedente de Alverca, com destino a Queluz-Massamá, vai entrar na linha número dois. Efectua paragens em Marvila, Chelas, Roma-Areeiro…


Saio aqui.

Há correspondência com a Carris, o Metro, a RL e os TST

Tenho pela frente a Avenida de Roma. Movimentada. O ronronar zangado dos carros. Buzinadelas. Ambulâncias. Neste cosmopolitismo, sinto-me bem. Estou de fim-de-semana.



Descobri os Wordsong que me obrigaram a descobrir Al Berto. Às vezes, arrependemo-nos de ter deixado para hoje o que podíamos ter feito ontem.
Ainda não tinha descoberto Al Berto apenas por preguiça. Andava a adiar o meu encontro com ele. Até que o encontrei, em cio. Porque encontrei a voz de Pedro D’orey, que nos entra pelo corpo dentro, em cio
E foi-se a preguissssssssssa...

Eu vi em cioooo os dedos por cima
Doutros sexos lisos como os limos
Que escorregam para dentro
Dos sonhos eu vi eu viiiiiiii
Eu vi a sereia do sonho cansada
Levantar-se luminescente eu vi
Caminhar incerta pela noite adiante olhos vibráteis
Captando a fragrância
Preciosa dos distantes
Marinheiros em cioooooo
Os dedos por cima doutros
Sexos lisos
Eu vi em cio em cio em cio em cio
Os dedos por cima doutros sexos lisos como os limos que escorregam para dentro
Dos sonhos em cio inocência calcária dos dias em cio
Medusas mortas o corpo enchendo-se
Com os despojos em cio
De um mar eu vi em cioooooooooo eu vi
Em cio eu vi em cio
Despojos do mar eu vi inocência calcária dos dias
Eu vi em cio eu viiiiiiiiiiiiiii em cio em cio em cio

“Em Cio”, Wordsong
A partir de “Mito da sereia em Plástico Português”, Al Berto


Lulla, bye...

0 comments

Ela conheceu Lulla naquele dia em que se perdeu em Nova Iorque. Foi o único dia em que se perdeu em Nova Iorque. Deviam ser nove da noite, porque já estava escuro. Fazia muito frio. Trazia o casaco branco abotoado até cima, um gorro na cabeça e as luvas. Tinha passado a tarde inteira metida na galeria de Roland Smith. Ele telefonara-lhe no fim da manhã

(“Tens que vir cá ter depressa”
“O que é que aconteceu?”
“Vem cá ter, por favor, já te explico.”)

Foi quando se cruzou com Joe Gould, que ela se perdeu. Ficou a pensar na vida daquele homem, tão perto e tão longe da vida. Ficou a pensar se valeria mais a pena estar perto ou longe da vida, perto ou longe dos outros. Sentia que para estar perto da vida, teria que estar longe os outros. E foi aí que não virou à esquerda. Continuou. Depois virou. Começou a nevar. Parou num semáforo para atravessar. Cheirava a canela na rua. Começou a cantar “Walk, don´t walk” e a olhar para os rostos das pessoas. Era um dos seus passatempos preferidos, em Nova Iorque. Imaginar vidas por trás das caras, emaranhar-se num complexo jogo de Ialta, onde nem Tchekov se orientaria.
Foi nesse momento que olhou para Lulla e a única vida que conseguiu imaginar atrás desse rosto foi a dela. Ela queria estar atrás do rosto de Lulla,

(nessa altura ainda não sabia o nome dele)

queria que ele lhe dissesse naquele momento, sempre estive à tua espera,
queria que ele lhe segredasse ao ouvido, és a mulher mais bonita que vi hoje,
queria que ele corasse, não me leves a mal, mas podemos tomar um café juntos?
queria que ele, no fim da noite, a embalasse, I will sing you a lullabie.

E ele aproximou-se dela e disse-lhe que tinha estado sempre à espera dela,
ele segredou-lhe ao ouvido que ela era a mulher mais bonita que tinha visto naquele dia,
ela corou, ele não, mas perguntou-lhe, podemos jantar juntos?
ela sorriu, corou outra vez, jantaram juntos, perderam-se juntos,

(“can you sing me a lullabie?”)

encontraram-se juntos e juntos ficaram durante o tempo em que ela viveu em Nova Iorque. Um tempo em que se amaram eternamente,

(como Vinicius vaticinou, o amor é eterno enquanto dura)

até ao dia em que ela teve que lhe dizer

“Lulla, bye”.
“I will always sing you our lullabie”.


Ironia?

0 comments

Hoje, fala-se no Papa para Prémio Nobel da Paz.


Depois de um dia de trabalho, namoro as palavras

0 comments

Momento de relaxamento. Pareço uma solitária. Janto sozinha no Vasco da Gama, porque o comboio das 20h estava esgotado. Fumo o cigarro da descompressão. Relembro momentos de angústia que aqui passei sozinha. Na cidade e na vida. Assim me sentia. De novo, o meu problema com o passado, ao embrulhar-me no lençol das memórias.
Hoje, trabalhei das 9 da manhã às 7 da tarde. Já não era assim há muito tempo. Vai passar a ser assim. Todos os dias.

(Ao meu lado, janta um homem novo que também parece um solitário. Fuma um cigarro. Olha para a factura do telemóvel.)

Estou realmente cansada. Passei um dia verdadeiramente estafante. Sabe-me bem, agora, sentar-me e entrar noutra dimensão, embora num lugar tão pouco poético, tão pouco literário. Sinto o corpo a ir para longe, até que me lembro das coisas que ficaram por fazer. Anoto-as no verso deste papel de gatafunhos. De novo, esqueci-me da agenda.

(O homem solitário continua sentado ao meu lado. Agora levanta-se.)

Escrevo, porque tenho necessidade de palavras. Assim, sem verbo. Queria ir buscá-las como faz o José Luís Peixoto no livro que me ofereceu hoje, mas não consigo. Não sei. Quando crescer, quero ser escritora. Para já, vou namorando as palavras.

(26.09.03)


A solidao

0 comments

O silêncio da casa existia entre a escuridão.
E o silêncio da escuridão existia dentro da casa.
Na casa, existia o silêncio da solidão.
Na escuridão, o silêncio da solidão.
A solidão escura e silenciosa.
Silenciosa e escura. Silenciosa.
Silenciosa. Escura. Uma longa e lenta e lúgubre solidão.

(a partir dos títulos das obras de José Luís Peixoto “Uma casa na escuridão” e “A casa, a escuridão” e duma frase retirada do livro de contos “Antídoto”)


Carta aberta ao Luis

0 comments

Sorrindo, mergulhavamos um no outro. Primeiro, os braços nos braços e depois os lábios nos lábios. E mergulhavamos as histórias nas histórias. E os sonhos nos sonhos. E não havia dúvidas que nos fizessem ter medo. Mas também não tínhamos medo de ter dúvidas. Eramos assim. Iamos sendo, porque nunca se é.
Até que um dia deixámos de ser os dois. De chorar o que o outro chorava. De sorrir o que o outro sorria. De amar o que o outro amava. Deixámos, assim, de nos amar.
Agora, tu amas outro sorriso. Eu amo outro sorriso. Mas amarei sempre o nosso mergulho, o nosso sorriso.


About me

Last posts

Archives

Links


ATOM 0.3