Ela conheceu Lulla naquele dia em que se perdeu em Nova Iorque. Foi o único dia em que se perdeu em Nova Iorque. Deviam ser nove da noite, porque já estava escuro. Fazia muito frio. Trazia o casaco branco abotoado até cima, um gorro na cabeça e as luvas. Tinha passado a tarde inteira metida na galeria de Roland Smith. Ele telefonara-lhe no fim da manhã
(“Tens que vir cá ter depressa”
“O que é que aconteceu?”
“Vem cá ter, por favor, já te explico.”)
Foi quando se cruzou com Joe Gould, que ela se perdeu. Ficou a pensar na vida daquele homem, tão perto e tão longe da vida. Ficou a pensar se valeria mais a pena estar perto ou longe da vida, perto ou longe dos outros. Sentia que para estar perto da vida, teria que estar longe os outros. E foi aí que não virou à esquerda. Continuou. Depois virou. Começou a nevar. Parou num semáforo para atravessar. Cheirava a canela na rua. Começou a cantar “Walk, don´t walk” e a olhar para os rostos das pessoas. Era um dos seus passatempos preferidos, em Nova Iorque. Imaginar vidas por trás das caras, emaranhar-se num complexo jogo de Ialta, onde nem Tchekov se orientaria.
Foi nesse momento que olhou para Lulla e a única vida que conseguiu imaginar atrás desse rosto foi a dela. Ela queria estar atrás do rosto de Lulla,
(nessa altura ainda não sabia o nome dele)
queria que ele lhe dissesse naquele momento, sempre estive à tua espera,
queria que ele lhe segredasse ao ouvido, és a mulher mais bonita que vi hoje,
queria que ele corasse, não me leves a mal, mas podemos tomar um café juntos?
queria que ele, no fim da noite, a embalasse, I will sing you a lullabie.
E ele aproximou-se dela e disse-lhe que tinha estado sempre à espera dela,
ele segredou-lhe ao ouvido que ela era a mulher mais bonita que tinha visto naquele dia,
ela corou, ele não, mas perguntou-lhe, podemos jantar juntos?
ela sorriu, corou outra vez, jantaram juntos, perderam-se juntos,
(“can you sing me a lullabie?”)
encontraram-se juntos e juntos ficaram durante o tempo em que ela viveu em Nova Iorque. Um tempo em que se amaram eternamente,
(como Vinicius vaticinou,
o amor é eterno enquanto dura)
até ao dia em que ela teve que lhe dizer
“Lulla, bye”.
“I will always sing you our lullabie”.